Universo paralelo
Depois de se dedicar por 20 anos à carreira de administradora, Emanoele Freitas viu sua vida mudar com a chegada do segundo filho. Diagnosticado surdo até os 2 anos de idade, Eros era uma criança agitada, mas nada fora do comum. Decidida a permitir que os médicos fizessem a cirurgia para a audição do filho, os exames pré-operatórios foram feitos e mostraram o inesperado: o menino conseguia ouvir. Foi nesse momento que o mundo desmoronou.
Diferente do que todos pensavam, Eros não tinha problema de audição, pelo contrário, ele escutava até demais, conseguia ouvir o bater de asas de uma borboleta. A surpresa foi maior quando o diagnóstico certo foi feito: Eros era autista. Sem nenhuma informação sobre o transtorno, a mãe passou a estudar o assunto. Na época, quase não havia material para pesquisa em português. A sorte da administradora foi seu inglês fluente, que lhe permitiu ler artigos e textos sobre o autismo.
As coisas começaram a melhorar quando a mãe encontrou o grupo “Bate-Papo Amigos dos Autistas”, que se dedicava ao estudo e divulgação do autismo. Os estudos deram força e conhecimento para que a administradora criasse seu próprio grupo e, em outubro de 2011, criou a Associação de Apoio à Pessoa Autista (AAPA), que se dedicava a realizar palestras e workshops sobre o transtorno.
O autismo faz parte do transtorno global do desenvolvimento, onde também está inserida a síndrome de Rett e a síndrome de Asperger. Quando se fala em autismo não se fala em tipos, mas em um espectro que vai desde o grau leve até o severo. Os sinais do autismo aparecem normalmente no primeiro ano de vida. O transtorno é de três a quatro vezes mais comum em meninos do que em meninas.Mas, uma surpresa abalou toda família novamente. A perda da mãe fez Emanoele repensar as prioridades de sua vida. Foi assim que ela decidiu transformar o que era apenas um grupo de estudo em uma organização. A AAPA passou então a oferecer aos autistas terapias com uma equipe multidisciplinar que conta com psicólogo, fonoaudióloga, psicopedagoga, terapeuta comportamental, fisioterapeuta, psicomotricista e orientadora familiar.
Três características fundamentais do problema são: a dificuldade de comunicar-se, a inabilidade de interagir socialmente e o padrão de comportamento repetitivo e restritivo. Alguns estudos iniciais mostravam que o transtorno era causado devido a uma dinâmica domiciliar problemática, junto a condições psicológicas alteradas. Entretanto, com o avanço das pesquisas, pôde-se perceber que o autismo apresenta diversas causas, que podem ser genéticas e biológicas.
Segundo o psicólogo Márcio Giansante, o autismo é uma síndrome complexa e precisa de cuidados ao ser diagnosticado, por isso, é necessário que se tenha uma equipe interdisciplinar formada por fonoaudiólogo, psicólogo e médico. “O diagnóstico é clínico e acontece através da observação do comportamento da pessoa e de entrevista com a família. Alguns testes podem ser usados, como o CARS (Childhood Autism Rating Scale) e o PEP-R (Perfil Psicoeducacional Revisado)”, explica Giansante.
Embora o autismo seja crônico, existem diversos tratamentos que podem diminuir seus efeitos e devem ser iniciados logo após o diagnóstico. Não existe um tratamento padrão, pois cada paciente apresenta diferentes necessidades e deficiências.
Na AAPA, a terapia utilizada é a comportamental e a integração sensorial. Vinte crianças e três adultos são atendidos na unidade da Posse, em Nova Iguaçu e outros três adultos são atendidos em casa, devido a idade elevada.
“Nós recebemos muitas famílias desequilibradas, querendo saber o que fazer. Desesperadas. um conselho que eu sempre dou é: nunca desistam! A caminhada é difícil, mas com o tempo e um tratamento certo, tudo começa a se acalmar”, explica Emanoelle. Hoje, Eros tem 9 anos de idade cronológica e 6 anos de idade cognitiva, adora ouvir música romântica e canta em várias línguas.
Sintomas do Autismo
O autismo acomete pessoas de todas as classes sociais e etnias, mais os meninos do que as meninas. Os sintomas podem aparecer nos primeiros meses de vida, mas dificilmente são identificados precocemente. O mais comum é os sinais ficarem evidentes antes de a criança completar três anos.
• Dificuldade com os métodos normais de ensino;
• Dificuldade para falar; falar pouco ou não falar;
• Movimentos estranhos no corpo (parecidos com “tiques”, como balançar para frente e para trás, sacudir as mãos);
• Demonstrar hiper ou hipossensibilidade aos sentidos, como tato e audição;
• Tampar os ouvidos ao ouvir algum barulho;
• Dificuldade para fazer contato visual ou não fazer contato visual;
• Risos e gargalhadas inadequadas e/ou sem contexto;
• Não responder pelo nome; ignorar as pessoas como se fosse surdo;
• Não apresentar medo em situações de perigo;
• Ter fixação por um ou mais brinquedos;
• Brincar com partes de um brinquedo e não com o brinquedo inteiro;
• Dificuldade com brincadeiras simbólicas (que envolvem imaginação);
• Crises de choro sem motivo facilmente identificável;
• Dificuldade em relacionar-se com adultos e com outras crianças;
• Dificuldade com mudanças;
• Preferir ficar isolado ao interagir.
Na adolescência e vida adulta, as manifestações do autismo dependem de como as pessoas conseguiram aprender as regras sociais e desenvolver comportamentos que favoreceram sua adaptação e auto-suficiência.
(Por Natasha Dias via Comport Magazine)