O uso indiscriminado dos calmantes na visão de especialistas
Existe uma pílula da felicidade? Há quem acredite que sim. Mesmo sendo um medicamento tarja preta, ou seja, que só deve ser tomado sob prescrição médica, há um ano o Rivotril atingiu o segundo lugar dos remédios mais consumidos do Brasil, perdendo apenas para um medicamento anticoncepcional. E ele é apenas um membro da lista extensa de antidepressivos e ansiolíticos – drogas usadas para diminuir a ansiedade e a tensão – que vêm sendo tomados indiscriminadamente pelos brasileiros. Na visão dos especialistas, a sociedade atual e seu padrão competitivo, desigual e exigente tem sido o principal vilão dessa história. Em busca da realização constante as pessoas acabam procurando nesses medicamentos uma cura imediada para momentos de tristezas e frustrações.
Buscando independência e autossuficiência, as pessoas querem ter cada vez mais controle de seus sentimentos. Para o psiquiatra Alessandro Alves, diretor da Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas, o ser humano quer estar satisfeito a todo tempo. Como dificilmente este objetivo é atingido, algumas pessoas estão constantemente infelizes e nos momentos de maior tensão buscam os remédios. De acordo com o médico, a tristeza pelo fim de um relacionamento ou pela a morte de um parente é algo normal, em que não há necessidade do uso de remédios para ajudar a superar. “Não é necessário um medicamento antidepressivo, visto que só há um estado de tristeza natural do ser-humano”, confirma o psiquiatra. No entanto, é bastante comum encontrar pessoas medicadas em velórios de familiares ou tomando remédios sem indiacação para superar o final de uma relação.
Para o psiquiatra Sander Fridman, do Hospital Adventista Silvestre, a banalização do uso dos calmantes nessa busca pela felicidade constante também é fruto da tensão em que as pessoas são expostas no contexto social em que vivem. O médico exemplifica essa teoria explicando o que acontece no mercado de trabalho brasileiro. Por ser um país de forte desigualdade social e população numerosa, as oportunidades de trabalho e realização são menores do que o número de pessoas que as buscam. Portanto, a dificuldade das pessoas em lidar com o turbilhão de exigências feitas pela sociedade, que divergem com as possibilidades oferecidas pelo cenário político e social, faz com que o uso de remédios se torne uma alternativa para manter o indivíduo relaxado, mais focado e até mais feliz.
A psicóloga Virgínia Ferreira, professora da Faculdade de Medicina de Petrópolis lembra que até a década de 1980, o tratamento com psicólogos e terapeutas era visto com preconceito, como algo para pessoas instáveis ou fracas. Já que atualmente este panorama mudou, a profissional enxerga de maneira positiva que as pessoas busquem ajuda profissional para compreender melhor o que se passa com elas e a partir daí entender o que lhes causa mal-estar. Porém, ela também condena o uso excessivo e inadequado dos remédios e confirma a importância da necessidade de reflexão do ser humano. “Todos consomem pílulas como se elas fossem mágicas e resolvessem as dificuldades. Refletir sobre seus propósitos, suas carências afetivas exacerbadas, a forma de educação do filho, são posturas de uma minoria”, afirma Virgínia.
Apesar de a maioria das pessoas depositar nos remédios a crença de que seus problemas e sentimentos negativos serão resolvidos, o psiquiatra Edson Hirata, do Hospital Santa Cruz de São Paulo, diz que os antidepressivos não funcionam para momentos transitórios, já que costumam demorar duas semanas para começar a fazer efeito. Além disso, os remédios, assim como outras drogas, podem causar dependência e têm efeitos colaterais como sonolência e perda da coordenação motora fina, que pode causar acidentes. A maioria dos terapeutas indica tratamentos alternativos, como acupuntura, meditação e atividade física para lidar com momentos difíceis ou de ansiedade, já que os remédios apenas mascaram problemas que para serem solucionados é preciso que o indivíduo primeiro compreenda sua causa.