Aben critica questão do Enem com erros sobre energia nuclear
Pouco depois da última prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que serve de avaliação para o ingresso nas universidades brasileiras, a Associação Brasileira de Energia Nuclear começou a receber reclamações de associados sobre o vestibular. Muitos profissionais da área começaram a ouvir de seus próprios filhos que se sentiram ofendidos com uma questão da prova. A pergunta dizia, erroneamente, que as usinas nucleares causam poluição térmica em lagos, rios e mares.
A diretora da Aben, Ruth Soares, que também coordena a área de sustentabilidade e planejamento estratégico da Eletronuclear, enviou uma nota de repúdio ao MEC e ao Inep, responsáveis pela prova, explicando o processo de geração de energia nuclear e reclamando que a questão é “preconceituosa e tendenciosa”. Ruth cita o exemplo brasileiro, das usinas de Angra, e explica que a Eletronuclear possui um laboratório de monitoramento contínuo das águas do entorno das usinas, ressaltando que a temperatura nunca atingiu índices acima do permitido pelo Inea.
“Se isso ocorresse, as usinas seriam imediatamente desligadas”, diz, enfatizando que o erro levou uma informação equivocada a milhões de jovens, causando “prejuízo irreparável” à imagem da energia nuclear no País. Ela acredita que o caso é fruto de um preconceito arraigado em relação à fonte nuclear e diz que a Aben sempre se colocou à disposição para fornecer qualquer informação técnica aos interessados no assunto, reiterando que ainda espera um posicionamento do MEC e do Inep sobre a questão.
Como a Aben teve o primeiro contato com a questão do Enem?
A questão chegou a nós através de filhos de colegas de trabalho, que se sentiram ofendidos com a forma como a energia nuclear foi tratada na questão. Eles reclamaram com os pais, que por sua vez reclamaram com a Aben. Chegou indiretamente através dos associados.
Foram muitas reclamações?
Muitas. Pelo menos umas 20 reclamações, porque os profissionais – principalmente os que trabalham em Angra – se sentiram muito ofendidos. Como se nós fomos os vilões da natureza. E nada disso é verdade. As usinas são muito bem controladas e medidas. Esse é o tipo de coisa que induz as pessoas a uma falsa ideia sobre a energia nuclear. Isso é um estrago em termos de reputação, partindo de um órgão de governo, de uma entidade que pressupõe-se estar cuidando da educação e do acesso dos alunos às informações.
Tiveram algum retorno após a carta enviada?
Até agora não recebemos nenhuma manifestação. Eles vão fugir disso. Não vão querer assumir que trataram de forma preconceituosa a energia nuclear. É importante frisar: em momento algum, em todos os anos de operação das usinas, a água chegou a uma temperatura acima da permitida pela norma do Inea. Inclusive, isso nem poderia acontecer, porque, por especificações técnicas, a usina desligaria se a temperatura da água subisse além do normal.
Ao que atribui este caso?
Atribuo ao que sempre ocorre. Preconceito arraigado. Parte-se da premissa de que energia nuclear é uma coisa ruim. Não procuram saber, informar-se corretamente. Estamos sempre à disposição para fornecer informações técnicas a qualquer hora, mas nunca somos procurados.
Qual o impacto disso na imagem da energia nuclear no País?
É um impacto grande na imagem. Se você coloca essa informação errada para milhões de alunos, como se desfaz isso? É difícil acessar essas pessoas para informar corretamente o que foi falado antes. Então teremos formadores de opinião com uma premissa errada. Jamais uma usina nuclear vai provocar estresse térmico. Não pode ocorrer. Vai demorar até que haja um fato marcante que leve as pessoas a procurarem informações especificas sobre a energia nuclear e venham a entender como funciona de verdade.
Como percebe a imagem da energia nuclear para o grande público?
Para o grande publico, na verdade, não estamos mal. As pessoas ficam curiosas quando falamos que trabalhamos com energia nuclear. Porque normalmente veem como uma coisa muito distante. A imagem que o brasileiro tem da energia nuclear não é ruim. Ela é respeitada como uma coisa técnica, séria, que se faz com muita atenção e responsabilidade. E todos veem que não temos opção, precisamos de energia e todas as fontes são necessárias. Principalmente agora, com a crise das hidrelétricas, fica claro que as térmicas são necessárias e se vê que elas são fundamentais. As usinas sazonais, como a eólica, não servem como energia de base. Além disso, uma única fonte não pode ser responsável por tudo. Se falta água, não conseguimos satisfazer todas as nossas necessidades.
A Aben tem algum planejamento para tentar modificar a imagem da energia nuclear no País?
Já fazemos isso. Temos um portal na internet, paginas nas redes sociais e também publicamos diariamente informação técnica de qualidade, replicando coisas internacionais e também do Brasil. Tem links para todos os órgãos mundiais de energia nuclear e queremos servir de referência para todos.
Como é a atuação da Aben hoje?
Temos uma diretoria que produz informação de qualidade, promove congressos e seminários. A cada dois anos promovemos um grande seminário, que é o INAC (International Nuclear Atlantic Conference), e no ano que vem será em São Paulo. Durante o congresso, são apresentados cerca de mil trabalhos técnicos. Tem uma exposição, um encontro de profissionais da indústria nuclear, um encontro de física dos reatores e um de aplicações nucleares. Essas quatro vertentes têm tudo da ciência nuclear mais avançada no mundo. O próximo já está sendo organizado e será em outubro do ano que vem.
Por Daniel Fraiha