Livro retrata intolerância e religiosos cobram plano de combate à violência

Há mais de um ano, uma menina de 11 anos, praticante do candomblé, no Rio de Janeiro, ficou conhecida após ter sido apedrejada na cabeça e insultada por homens que portavam Bíblias e que, supostamente, pertencem a seitas cristãs evangélicas ou neopentecostais. Mais recentemente, no último sábado (14), um homem foi detido por depredar santos da Catedral São João Batista, em Niterói.

Casos de intolerância religiosa como esses que culminaram em ofensas, agressões e depredações crescem ano a ano e exigem uma ação coordenada do Poder Público. Essa é a conclusão da publicação Intolerância Religiosa no Brasil – Relatório e Balanço, lançado esta semana, às vésperas do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, lembrado hoje (21).

O estudo foi coordenado pelo Laboratório de História das Experiências Religiosas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em parceria com o Centro de Articulação das Populações Marginalizadas (Ceap) e a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) — formada por representantes de várias crenças, do Ministério Público, do Tribunal de Justiça do Rio e da Polícia Civil.

Em mais de 160 páginas, a publicação reúne números de denúncias compilados por serviços de governo como o Disque 100 Direitos Humanos, artigos científicos com diagnóstico do problema no país e uma proposta de plano nacional para enfrentar o problema. No início de 2016, um documento com esse teor começou a ser articulado pela Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), hoje vinculada ao Ministério da Justiça, mas não foi concluído.

Entre 2001 e 2015, o país registrou 697 casos de intolerância religiosa. Depois de atingir um pico em 2013, com 201 episódios, o número quase dobrou de 2014 para 2015, passando de 149 casos para 223. Alguns relatos, como o da menina de 11 anos agredida no Rio, de crianças judias ofendidas em um clube na zona sul carioca e de uma mulher muçulmana apedrejada na perna, na periferia de São Paulo, são analisados na publicação. O documento também aponta que vizinhos, professores e familiares estão entre os agressores mais comuns.

De acordo com um dos organizadores da publicação, o babalawô Ivanir dos Santos, doutorando em história comparada pela UFRJ e interlocutor da CCIR, o enfrentamento à discriminação exige respostas do Executivo federal, estadual e municipal, legislativos e do Judiciário, como determinam acordos internacionais ratificados pelo Brasil e o Estatuto da Desigualdade Racial, de 2010.

“Primeiro, tem que tipificar a intolerância religiosa como crime, depois, ampliar medidas educativas”, afirmou.

Ivanir defende a aplicação universal da Lei 10.639, que obriga o ensino da história e culturas africanas e afro-brasileiras nas escolas. “Essa é a única saída para entender as outras culturas e respeitar o próximo. Porém, essa lei tem dificuldade de andar porque sofre grande perseguição de neopentecostais e de racistas”, afirmou.

Para fomentar a discussão do plano nacional, o livro Intolerância Religiosa no Brasil – Relatório e Balanço resgata uma proposta apresentada pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, em 2013, com ações nas áreas de segurança, trabalho e educação, por exemplo.

Escola perpetua intolerância

A discussão do tema na escola —que foi tema de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2016— é uma das recomendações da publicação.

A hipótese é de que a educação tem falhado na formação de profissionais e que o atual modelo de ensino, material didático e currículos escolares deixam a violência passar despercebida, na análise da pesquisadora do Laboratório de Experiências Religiosas da UFRJ Juliana Cavalcanti. Os dados, diz, “têm demonstrado que nossas unidades de ensino, além de apresentarem um silêncio no quesito religiosidade, são também ambientes onde se manifesta o desrespeito”.

Programas de TV

Para combater a intolerância, o estudo também cobra que o Ministério Público denuncie programas de televisão e de rádio que incentivem o ódio ou a discriminação a religiões. Outra reivindicação é que o Ministério das Comunicações puna com multa emissoras e retire programas do ar e que proíba patrocínio de órgãos e estatais a veículos com esse tipo de conteúdo.

“Quando uma pessoa tem a atitude de jogar uma pedra em uma menina ou de quebrar um santo da Igreja Católica, aquela não é uma atitude individual. A pessoa ouviu aquilo na igreja [que frequenta] e ouviu sua liderança falar nos meios de comunicação, demonizando alguns setores. Em algum momento, a emoção disparou e a pessoa fez o que fez”, avaliou Ivanir. Ele lembrou que concessões de rádio e TV são públicas e devem ser fiscalizadas. “O Poder Público tem sido omisso.”

Por EBC

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