Longevos e sozinhos, muitos idosos sofrem com falta de cuidados
Os brasileiros que nasceram em 2015 viverão, em média, 75,5 anos, estima o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De 1940 a 2015, essa expectativa aumentou 30 anos. Nos lares brasileiros, tal mudança já é percebida, com a convivência entre diferentes gerações. Outras mudanças, como a maior participação feminina no mercado de trabalho e a prevalência de famílias menores, saltam à vista e trazem novas questões. Afinal, como os idosos podem ser cuidados nesse contexto?
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do IBGE, a demanda por cuidado não tem sido respondida adequadamente. A pequisa mostra que, do grupo de pessoas, com 60 anos ou mais, com alguma limitação funcional, 84% precisavam de ajuda para atividades básicas, como tomar banho, ir ao banheiro, vestir-se ou andar, mas 10,9% não recebiam apoio. O percentual pode aumentar. Isto porque 78,8% dos que precisam recebem cuidados de familiares, com ou sem remuneração, uma situação que tende a ser menos comum devido àquelas mudanças sociais.
Política de Cuidado
“A família de hoje é unicelular. [É formada por] pai, mãe e filhos e, muitas vezes, só mães e filhos. Os adultos da casa, em geral, trabalham. A ausência faz com que o idoso da família fique abandonado”, destaca o vice-presidente do Conselho Nacional da Pessoa Idosa (CNDPI), Bahij Amin Auh. Resultados dramáticos dessa situação são a depressão e até suicídios entre idosos, que estão associados, entre outros fatores, a doenças graves e degenerativas e à dependência física.
Conforme o Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil, de um grupo de 100 mil habitantes, 5,7 pessoas se suicidam no país a cada ano. O número acompanha o avanço da idade. O estudo, lançado recentemente pelo Ministério da Saúde, analisa dados de 2011 a 2015 e mostra que, no caso das pessoas com 70 anos, ou mais, a proporção chega a 8,9 a cada 100 mil. Entre homens dessa faixa etária, são 17,1 no mesmo grupo populacional.
Na opinião de Bahij Amin Auh, o primeiro passo para evitar tal situação é valorizar e reconhecer a individualidade de cada idoso. “Não há um idoso padrão”, destaca Auh, acrescentando que as condições socioeconômicas e biológicas impactam de forma bastante intensa as formas de envelhecimento.
Para ele, a diversidade não exime o Estado de criar políticas para essa população, como a ampliação do número de instituições que acolhem idosos e a diversificação delas, de modo que haja oferta de lugares de permanência duradoura ou que a receba apenas durante o dia. Tais políticas têm sido desenvolvidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social, que trabalha no reordenamento das instituições que hoje existem no país.
O ministério também trabalha no desenvolvimento da Política Nacional de Cuidado. A coordenadora-geral de Serviços de Acolhimento do Ministério do Desenvolvimento Social, Nilzarete de Lima, explica que diversos órgãos federais, estaduais e municipais, bem como conselhos de direitos e instituições da sociedade civil têm debatido a questão. O primeiro estudo deve ser apresentado em novembro. Nilzarete antecipa que uma boa política de cuidado deve ser multidisciplinar e interinstitucional, pois envolve saúde, assistência, direitos humanos, educação etc.
No Congresso Nacional, está em discussão o Projeto de Lei (PL) 2.029/2015, que institui a Política Nacional do Cuidado. Entre outras questões, o PL fixa a interação entre os diferentes entes da Federação na oferta de serviços diversos, a promoção da cultura do cuidado e a regulamentação do exercício da atividade profissional de cuidador, que ainda não é prevista em lei. O projeto aguarda parecer na Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa (Cidoso).
Idosos mais independentes
Além do que poderá ser fixado por lei e desenvolvido por políticas públicas, outras ações podem ser tomadas desde já. Para tanto, o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia de São Paulo, Carlos André Uehara, explica que é preciso considerar pelo menos dois grupos de idosos: os com mais de 80 anos e os mais jovens, na faixa dos 60.
No primeiro caso, os idosos são muito associadas à fragilidade física. “Quando eles nasceram, a expectativa de vida não passava de 50 anos, não havia o conhecimento que se tem hoje do que fazer para ter qualidade de vida. Muitos adquiriram longevidade por suas próprias características biológicas e também porque as condições de vida de antes eram melhores que as de hoje da vida moderna”, diz Uehara, exemplificando que atividades físicas eram mais presentes no dia a dia.
Apesar da fragilidade, Uehara afirma que é preciso estimular a autonomia. A hiperproteção de famílias que temem que os idosos caiam, por exemplo, pode ser negativa, pois fará com que os mais velhos deixem de desenvolver atividades, o que os compromete física e psicologicamente.
O outro grupo é formado por idosos mais jovens. Com cerca de 60 anos, eles envelheceram tendo acesso a mais informações sobre cuidados com a saúde, adquiriram uma sobrevida maior e, por isso, demandam mais qualidade de vida. Esses idosos deverão ser menos dependentes, mas isso não quer dizer que também não demandem atenção. Carlos André Uehara destaca que a sociedade precisa ser preparada para lidar com eles e entender suas diferenças, a fim de que barreiras cotidianos, como acessar serviços bancários digitais, sejam rompidas.
“É preciso olhar essa população mais velha como uma população que passou por toda essa mudança tecnológica, e muitos acabaram não tendo acesso a ela. Por isso acabam tendo dificuldade grande de adquirir esses novos conhecimentos. Nós preconizamos que eles busquem coisas novas, mas ainda há aquela visão de que o idoso já está no canto, sem poder aprender coisas novas”, pondera.
Atitudes simples podem ajudar a resolver esse impasse, como oferecer equipes que deem suporte aos idosos e compreendam que os idosos podem ter dificuldades de visão e de comunicação e que, por isso, precisam de mais tempo para desenvolver determinadas atividades.