Casais homoafetivos ainda enfrentam limitações para demonstrar afeto em público
Porém, quando querem fazer coisas simples como essas, Mara Vargas e Ana Paula Vargas, casadas e moradoras de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, viajam mais de 30 quilômetros para se sentir mais à vontade, na orla da zona sul do Rio. No lugar onde moram, evitam “se expor”.
“A gente gosta de sair para dançar, em boate LGBT [sigla para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais], para curtir e beber. Em qualquer outro lugar, não vai ser a mesma coisa. Do jeito que está a violência hoje em dia, às vezes, é preferível nem sair”, diz Mara, 31 anos, que completa um ano de casada com Ana Paula, de 27 anos, em dezembro.
Mesmo com os direitos garantidos civilmente, casais homoafetivos muitas vezes enfrentam constrangimentos e inseguranças na hora de demonstrar publicamente os sentimentos, o que a Justiça já resguardou. “Embora já se tenha um reconhecimento civil, formal e burocrático, existe preconceito muito forte que inviabiliza que essas pessoas tenham tranquilidade para manifestar seu afeto e falar disso abertamente”, explica a psicóloga Daniela Murta, assessora de Saúde da Coordenadoria de Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio de Janeiro.
Apesar de já garantir esse direito, o Brasil ainda está entre os que mais registram mortes por homofobia. Em 2014, ocorreram 326 mortes, segundo relatório do Grupo Gay da Bahia.
Preconceito
“Nesse dia, combinamos de não nos beijar na frente da família. Percebemos que eles não estão prontos. O problema não somos nós, mas preferimos ter uma convivência mais tranquila”, lembra o publicitário, que mora em Florianópolis, cidade que ele considera liberal e, mesmo assim, onde não se sente seguro para demonstrar afeto publicamente.
Os dois estão acostumados a promover festas em casa, a cuidar dos sobrinhos e a hospedar a família, mas, sempre sem demonstrações de afeto. “Meus sobrinhos sabem que somos casados e desenham a gente com coraçãozinho. As crianças entendem melhor que os adultos”, diz Marcelo.
A regra de não demonstrar amor em público vale para qualquer situação em que não estejam sozinhos. Uma vez, por acidente, a diarista que contratavam para limpar o apartamento entrou no quarto e flagrou um beijo. “Ela foi embora e nunca mais retornou nossas ligações. Ela sabia que a gente morava junto, tinha foto pela casa toda, usávamos alianças e só tinha uma cama de casal, e, mesmo assim, se escandalizou. Parecia que trabalhava para Satã.”
Nascida em um lar religioso, a professora de inglês conta que a relação com a família é muito boa. “Sempre fui muito bem tratada. Sempre me respeitei muito e respeitei muito a minha família. Eles são evangélicos e frequentam sempre a minha casa. Passamos Natal e aniversários juntos. Sei que eles têm um pensamento diferente, mas eles me respeitam.”
Mudança cultural
O ativista Toni Reis e seu marido, David Harrad, foram os primeiros a oficializar a união estável no Brasil, em 2011. Há 25 anos juntos, Toni conta que levam uma vida reservada, em que se permitem “bitocas” e “um carinho no restaurante”. “Minha geração viveu muita repressão. Meus amigos da minha idade não conseguem demonstrar afeto, mas a meninada, de 15, 16, 17 anos, fica abraçada, beija. A geração mais nova está sendo superousada. Sou uma pessoa em que, no inconsciente, ainda está uma repressão muito grande”, conta ele, que acrescenta: “Vejo os meninos beijando na boca de uma forma tão tranquila que, às vezes, eu me surpreendo”.
Para Toni, as mudanças na sociedade serão lentas e políticas como a criminalização da homofobia e a abordagem da diversidade de gênero na educação podem ajudar. “Tudo isso é cultural, e a cultura não muda com a lei. Leva mais tempo”, diz o ativista, que vê o futuro com otimismo. “Tenho esperança de que quanto mais a gente veja casais se beijando, mais as pessoas se acostumem. O que nós estamos exigindo não é que nos convidem para tomar um chope, um vinho nem levar a gente para casa. Isso seria ótimo, mas o que a gente quer é respeito.”